Simplificando a Reforma Tributária: Cashback para quem? O real motivo deste mecanismo

A proposta do cashback na Reforma Tributária é devolver parte do imposto para as famílias de baixa renda. Mas com isenções aplicadas sobre os principais gastos dessas famílias, o que realmente será devolvido? O artigo analisa criticamente o mecanismo e questiona se ele cumpre o que promete — ou se apenas reforça a estrutura de fiscalização.

Conrado Viana

6/20/20253 min read

A promessa de justiça tributária ganha força com o mecanismo do cashback introduzido na Reforma Tributária. A ideia é simples: devolver parte do imposto sobre o consumo para as famílias de baixa renda, aliviando o peso do tributo sobre quem mais sofre com a regressividade do sistema. Mas quando analisamos a proposta em seu detalhe uma pergunta surge: será que realmente é essa a finalidade do cashback?

A estrutura de consumo das famílias mais pobres é amplamente conhecida e basicamente é dividida em alimentação, transporte, moradia e serviços públicos essenciais, como água, luz e internet. Estes gastos representam praticamente todo o orçamento das famílias de baixa renda.

Confrontando esse perfil de gastos com a tratativa da lei sobre cada um destes assuntos observamos que com a reforma, a cesta básica será desonerada com alíquota zero. O transporte público também também foi abarcado com isenção tributária.

Vale lembrar também que os produtos sujeitos ao Imposto Seletivo, como cigarros e bebidas alcoólicas, também estão excluídos do mecanismo de devolução. O que faz sentido, pois o governo devolver uma parte do dinheiro gasto para tomar uma cerveja ou uma cachacinha seria contraditório.

Ao olharmos para moradia e esta tende a representar uma parcela relevante dos gastos destas famílias, seja por aluguel ou por compra via financiamento, estes gastos sequer são abarcados pelo cashback uma vez que só serão considerados aqueles desembolsos destinados ao consumo familiar.

A devolução do imposto é coerente do ponto de vista técnico e se a moradia é essencial, por que não foi pensada como parte do esforço redistributivo?

Desta forma, a possibilidade do cashback será quase que exclusivamente incidente sobre serviços disponibilizados por concessionárias de água, luz, telefone e internet.

Digo quase exclusivamente, pois ainda que não mapeados, estas famílias também tem gastos com higienização e consomem, por exemplo, detergente, papel higiênico, lava roupas e amaciantes e, por incrível que pareça para alguns, precisam também cortar cabelo e as mulheres se depilarem.

Assim, com o tempo, as famílias de baixa renda vão ter essa percepção sobre aquilo que realmente gera devolução de imposto e vão começar a pedir nota fiscal de todo seu consumo.

Aí vemos que cashback é na verdade um mecanismo fiscalizatório, travestido de justiça social. A finalidade é fazer com o que as famílias de baixa renda passem a solicitar Nota Fiscal de tudo que consomem e com isso, a vendinha do "Sô Zé" e a "Maria Cabeleira" que em muitas situações, sequer sabem mexer em computador, vão ter de aprender a emitir cupom fiscal.

Com isso, muitos podem pensar: "Se o imposto vai ser devolvido pelo governo para o consumidor, o dinheiro vai voltar para as mãos das famílias de pequena renda de qualquer forma!"

Até agora, a reforma tributária prevê devolução de apenas 20% do imposto arrecadado (com excessão do botijão de gás, onde o imposto será devolvido em sua integralidade)

No fim é mais uma vez a sanha arrecadadora governamental, mostrando para o mercado que "não quer saber se o pato é macho, eu quero o ovo!"

Fique Atento!

O cashback pode até parecer um benefício social bem intencionado e em partes é. Mas olhando com lupa, o que se enxerga é um sistema que não entrega justiça tributária de verdade para quem mais precisa. Ao invés de corrigir distorções estruturais, a devolução mira em gastos altamente fiscalizáveis e empurra a responsabilidade de emissão fiscal para as pontas mais frágeis da economia.

Então, antes de celebrar o benefício como redentor da carga tributária dos mais pobres, vale perguntar: quem está mesmo ganhando com isso?