Simplificando a Reforma Tributária: Caixa e Competência. Haverá uma duplicidade de recolhimentos?

A nova Reforma Tributária criou um possível conflito entre o momento da apuração do imposto (Art. 10) e o momento da retenção (Art. 34). Isso pode afetar diretamente o fluxo de caixa de empresas que vendem a prazo. No artigo, explicamos o que está em jogo, o impacto prático e como o empresário pode se preparar para evitar surpresas.

Conrado Viana

7/4/20252 min read

A Reforma Tributária chegou com a promessa de modernizar e simplificar a vida do empresariado brasileiro. Mas, como toda novela que se preze, tem duvidas e questionamentos. E existem dois personagens que não se entendem pelo texto da reforma. O recolhimento do imposto por competência (Artigo 10) e o recolhimento por caixa (Artigo 34). Sabe aquele casal que diz estar em sintonia, mas vive brigando? Pois é...

Imposto na competência

O Art. 10 da LC 214/25 estabelece que o fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento da operação — ou seja, na emissão da nota fiscal, independentemente do efetivo recebimento. Isso significa que, para fins de apuração do imposto, o que importa é a venda ter sido realizada, e não se o cliente já pagou, vai pagar, ou está inadimplente.

Na prática, isso se chama regime de competência. É o modelo em que o imposto nasce com o direito, não com o dinheiro. Vendeu? Então o fisco entende que você deve tributar o valor integral, mesmo que o pagamento seja feito em dez vezes ou nem aconteça.

Se você vende à vista, tudo bem. Mas se vende no boleto, no cartão parcelado ou via carnê com boleto 30/60/90… o imposto já tem que ser declarado integralmente no mês da emissão da nota, antes mesmo de cair o primeiro centavo na sua conta.

É a lógica é clara: o governo mais uma vez falando pro empresário: "Não quero saber se o pato é macho, eu quero é o ovo!"

Imposto recolhido por caixa

Mas aí chega o Art. 34 e diz o contrário: o imposto não será recolhido de forma imediata, mas sim à medida que o dinheiro for efetivamente recebido. Ou seja, a cobrança acontece pelo regime de caixa — o famoso "recebeu, pagou". Essa retenção será operacionalizada pelos bancos e instituições financeiras, por meio do sistema de split de pagamentos.

Na prática, quando o cliente paga uma parcela, a instituição financeira automaticamente separa o valor do imposto referente àquela fração e o envia para o Fisco. Se a venda foi parcelada em cinco vezes, o tributo será retido em cinco momentos distintos — conforme o pagamento de cada parcela.

O modelo busca garantir que o imposto só seja recolhido sobre valores efetivamente recebidos, o que parece mais justo do ponto de vista financeiro. No entanto, essa lógica entra em conflito com o modelo de competência previsto no Art. 10. E aí mora o problema.

Exemplo prático

Imagine uma venda de um produto por R$ 100 em 5 vezes de R$ 20. Pela competência, você apura o imposto sobre os R$ 100 já no mês da venda. Pelo caixa (split de pagamento), o banco vai segurar o imposto em cada uma das parcelas, conforme forem pagas.

Ou seja:

O tributo inteiro é declarado mesmo sem ter recebido e depois, o banco retém de novo, parcela por parcela mensalmente. Resultado? Fluxo de caixa duplamente atacado.

Você paga o tributo de cara e ainda tem o valor retido de novo nas parcelas seguintes. Mas calma: a lei promete que, se houver valor retido a mais, o governo devolve em três dias úteis. Consegue acreditar nisso?

E agora?

A dupla Art. 10 (competência) e Art. 34 (Split de pagamento) precisa de terapia de casal. Um quer tudo agora, o outro prefere parcelar. Enquanto isso, quem sofre é o empresário, que pode ter seu caixa afetado duas vezes.

A Reforma Tributária precisa resolver essas rusgas internas. Porque modernizar é bom, mas modernizar com coerência e sem rombo no bolso é melhor ainda.